Em busca de liberdade, japonesas estão evitando o casamento

As japonesas estão optando pela “solteirice”, evitando a “prisão” do lar, dos árduos cuidados com os filhos, marido e parentes mais velhos.
Mulheres trabalhadoras em Toquio Foto Nikkei
Foto: Nikkei Asian

A noiva usava um vestido com um corpete de bordas rendadas e uma grande saia armada. Um véu brotava de seu cabelo preto. Momentos antes do casamento começar, ela ficou em silêncio em uma escada, esperando descer para a cerimônia.

“Uau”, ela pensou. “Estou realmente fazendo isso.”

Não era um casamento convencional para unir duas pessoas no matrimônio. Em vez disso, um grupo de quase 30 amigas se reuniu em um salão de festas em um dos distritos mais elegantes de Tóquio no ano passado para testemunhar Sanae Hanaoka, 31 anos, fazer uma declaração pública de amor por si mesma … solteira e feliz.

“Eu queria aprender a viver sozinha”, disse Sanae ao grupo, sozinha no palco enquanto agradecia a todos por comparecerem ao seu casamento solo. “Quero depender apenas das minhas próprias forças”, disse.

A proporção de mulheres que trabalham no Japão é a maior já vista, mas os costumes não acompanharam esse avanço: ainda se espera das mulheres e mães japonesas que arquem com a maior parte do trabalho do lar, dos cuidados com os filhos e com os parentes mais velhos.

Japonesa esperando trem Foto iStock 1
Foto: iStock

Cansadas dessa diferença no tratamento, as japonesas estão cada vez mais optando por evitar o casamento, concentrando-se no trabalho e nas suas novas liberdades, mas ao mesmo tempo alarmando os políticos preocupados em reverter o declínio populacional do Japão.

Ainda em meados da década de 1990, apenas uma em cada 20 japonesas chegava aos 50 anos sem ter nunca ter se casado, de acordo com números do censo. Mas, já em 2015, ano mais recente para o qual há estatísticas disponíveis, esse quadro tinha mudado, com uma em cada sete japonesas chegando a essa idade sem ter se casado.

E, para as mulheres entre 35 e 39 anos, a proporção era ainda maior: quase um quarto delas nunca se casou, sendo que duas décadas antes essa parcela era de aproximadamente 10%. Um número cada vez maior de empreendimentos atende mulheres solteiras.

Pessoas rindo Foto Flickr E chan Photos
Foto: Flickr/E-chan Photo

Há salões de karaokê para solteiras com áreas exclusivamente femininas, restaurantes pensados para comensais desacompanhados, e apartamentos voltados para mulheres interessadas em comprar ou alugar um espaço para viverem sozinhas. 

“Pensei, se eu me casar, simplesmente terei mais serviço doméstico para fazer”, disse a cartunista Kayoko Masuda, 49 anos.

“Eu amava meu trabalho, e queria ser livre para me dedicar a ele.” Para um número cada vez maior de japonesas, a solteirice representa uma forma de libertação. “Quando elas se casam, precisam abrir mão de muita coisa”, disse Mari Miura, professora de ciência política da Universidade Sophia, em Tóquio.

A mudança está ligada a uma alteração na composição da força de trabalho japonesa. Agora, quase 70% das mulheres entre 15 e 64 anos trabalham – um recorde. Mas, se elas se casarem, suas carreiras são frequentemente relegadas ao segundo plano diante de uma enxurrada interminável de fardos domésticos.

Hoje, as japonesas solteiras com carreiras e dinheiro têm acesso a uma ampla gama de atividades e investimentos emocionais que suas mães e avós jamais conheceram.

“Um dos motivos que leva uma mulher a se casar é ter uma vida financeira estável”, disse Miki Matsui, 49 anos, diretora de uma editora de Tóquio. “Não estou preocupada com a ideia de ficar sozinha nem tenho preocupações financeiras”.

Para algumas, as amigas casadas e com filhos servem como alerta. Shigeko Shirota, 48 anos, que trabalha em uma creche e vive em um apartamento que comprou sozinha, diz que muitas de suas amigas casadas ficam em casa com os filhos e recebem pouca ajuda dos maridos.

“Não é justo que as mulheres vivam enclausuradas como donas de casa”, disse Shigeko. “Elas ficam felizes por estarem com os filhos, mas algumas descrevem os maridos como outro bebezão para cuidar.”

Graças à solteirice, Shigeko teve liberdade para viajar e se dedicar aos próprios hobbies. No verão passado ela se inscreveu em um concurso de dança na Irlanda e levou a mãe para visitar a China. “Não precisamos mais depender dos homens”, disse Shigeko.

Alguns homens também reagem às realidades econômicas com uma recusa do casamento. Os salários no Japão estão estagnados e, com a expectativa de que os homens sejam a principal fonte de renda do lar, muitos temem a dificuldade de sustentar uma família financeiramente. 

Pouco mais de um terço dos homens com idade entre 35 e 39 anos nunca se casaram, proporção que, 20 anos atrás, era inferior a um quarto. Mas permanecer na solteirice costuma ser menos uma escolha deliberada e mais um reflexo do quanto a urgência do casamento diminuiu na sociedade de hoje, dizem os especialistas.

“Os dados indicam que pouquíssimas mulheres analisam o panorama e dizem ‘Não vou me casar’”, disse James Raymo, professor de sociologia da Universidade de Wisconsin, em Madison, que escreveu a respeito do casamento no Japão.

Em vez disso, ele disse que elas “adiam e adiam à espera das circunstâncias certas, mas essas circunstâncias nunca se materializam como o imaginado, e elas acabam na solteirice eterna por inércia”.

Kaori Shibuya, 42 anos, teve um relacionamento mais longo antes dos 30 anos que acabou não progredindo. Desde então, teve apenas alguns namoros breves. “Não acho que tenha escolhido esse caminho”, disse ela. “Mas tive várias oportunidades ao longo do percurso.”

Kaori disse que algumas mulheres optam pelo casamento por se sentirem vulneráveis sozinhas. Mas ela abriu o próprio negócio dois anos atrás – um café – e acredita que consegue se sustentar. E a solteirice tem suas dificuldades. Sanae, a mulher que celebrou o casamento solo no ano passado, divide uma casa com duas colegas. Quando a solidão aperta, ela assiste ao vídeo da cerimônia para lembrar das pessoas que a amam.

“Prefiro a liberdade de fazer o que eu quiser agora”, disse ela.

MN – Mundo-Nipo.com
Fonte: New York Times.

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