A recente aprovação do Projeto de Lei (PL) 914/24 pela Câmara dos Deputados gerou discussões acaloradas sobre a taxação de compras internacionais até 50 dólares (cerca de 260 reais). Enquanto alguns veem a isenção da taxa como uma oportunidade para os consumidores adquirirem produtos mais baratos, outros argumentam que ela prejudica a indústria nacional e o mercado de trabalho.
Visões divergentes
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Felipe Tavares, expressou preocupação com a potencial perda de empregos no Brasil. Para ele, a isenção até US$ 50 não compensa o impacto negativo na economia, independentemente do preço dos produtos.
Por outro lado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera a alíquota de 20% insuficiente para evitar a concorrência desleal. Embora seja um primeiro passo em direção à isonomia tributária, a CNI destaca que setores como têxteis, confecção de vestuário, calçados e produtos de higiene pessoal são os mais afetados.
Avanços e desafios
A aprovação da taxação pelos deputados federais é vista como um avanço no debate sobre a busca por equidade tributária. Órgãos como a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex) e o IDV reconhecem a importância desse passo, mas também ressaltam a necessidade de avaliar os impactos específicos em diferentes setores.
O Projeto de Lei 914/24 seguiu para o Senado na última quarta-feira de maio (29), onde continuará a ser debatido. A decisão final e sua implementação dependerão de uma análise cuidadosa dos prós e contras, considerando tanto os interesses dos consumidores quanto os da indústria nacional.
O que mudaria com a taxação?
A medida aprovada pelos deputados determina que compras internacionais de até US$ 50 passarão a ter a cobrança do Imposto de Importação (II), com alíquota de 20%. Essa mudança afeta principalmente os consumidores que frequentemente adquirem produtos em sites de varejistas estrangeiros, como Shopee, AliExpress e Shein, ou seja, a maioria são chineses.
Essas plataformas, conhecidas como marketplaces, oferecem uma ampla variedade de produtos de terceiros a preços geralmente mais baixos do que os praticados por fabricantes brasileiros. No entanto, a taxação proposta pelo PL representa um tributo federal adicional. Além disso, as compras dentro desse limite de US$ 50 já recebem uma alíquota de 17% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um encargo estadual. Portanto, um produto de R$ 100 (incluindo frete e seguro) teria um preço final de R$ 140,40 após a aplicação desses impostos, ou seja, a carga tributária que recairá sob o consumidor final passará a ser de 44,5%.
Programa Remeça Conforme
A Remessa Conforme é uma regulamentação publicada pela Receita Federal que estabelece um tratamento aduaneiro diferenciado para as empresas de e-commerce internacionais que aderem voluntariamente às novas regras. O programa foi instituído pela Instrução Normativa RFB nº 2.146, de 29 de junho de 2023, que dispõe sobre o controle aduaneiro das remessas internacionais.
As empresas que aderiram à regulamentação ficaram isentas de cobrança de imposto em produtos até US$ 50, desde que obedecessem a uma série de normas, como dar transparência sobre a origem do produto, dados do remetente e discriminação de cobranças, como o ICMS e frete, para o consumidor saber exatamente quanto estava pagando em cada um desses itens.
Um dos efeitos do programa, que teve a anuência das principais empresas de marketplace, bem como para uma parte dos consumidores acostumados a comprar em sites internacionais. Isso porque as entregas ficaram mais rápidas, pois a fiscalização da Receita Federal ficou mais fácil com as informações fornecidas pelas empresas.
Antes do programa Remessa Conforme, o consumidor tinha de esperar semanas e até meses, uma vez que o produto ficava “entalado” no processo aduaneiro. Muitas vezes, o consumidor era obrigado a pagar uma taxa equivalente ao dobro e até o triplo do valor real do produto, enquanto alguns pagavam uma valor razoavelmente módico. Mas a sorte grande ficava com aqueles que nem mesmo eram taxados. Contudo, todos tinham de esperar muito tempo até receber o produto.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Remessa Conforme deu mais transparência para as compras internacionais.
“O Remessa Conforme é para dar transparência para o problema. Saber quantos pacotes estão entrando, quanto custa, quem está comprando”, disse Haddad na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados na na semana passada. Itens entre US$ 50 e US$ 3 mil continuaram com alíquota de 60%. Acima desse valor, a importação é proibida pelos Correios e por transportadoras privadas.
Negociações e perspectivas
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, considera o PL 914/24 resultado de uma negociação entre defensores da isenção e aqueles que desejavam uma alíquota de 60% para qualquer valor. Ele acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não vetará a medida, pois foi aprovada praticamente por unanimidade.
No entanto, antes da aprovação na Câmara dos Deputados, o presidente Lula tinha havia mencionado a possibilidade de veto ou negociação. O debate sobre a taxação começou em 2023 como uma forma de evitar que empresas burlassem a Receita Federal, especialmente aquelas que vendiam produtos como se fossem remessas de pessoas físicas.
Impactos setoriais
A indústria têxtil e de confecção, bem como os setores de calçados, artefatos de couro, produtos de limpeza, cosméticos, perfumaria e higiene pessoal, são os principais afetados pela taxação proposta. Esses setores dependem significativamente de matérias-primas importadas e enfrentam forte concorrência de produtos estrangeiros.
Além disso, a taxação pode impactar negativamente a competitividade desses segmentos no mercado global. As empresas brasileiras que produzem roupas, calçados e produtos de higiene pessoal precisam competir com marcas internacionais que muitas vezes oferecem preços mais baixos devido à escala de produção e à ausência de impostos de importação.
Inclusão no Programa Mover
Vale ressaltar que a taxação das compras internacionais foi incluída no PL 914/24 por decisão do deputado Átila Lira (PP-PI), relator da matéria. Originalmente, o projeto tratava do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), destinado ao desenvolvimento de tecnologias para produção de veículos que emitam menos gases de efeito estufa. A inclusão dessa medida no contexto do Programa Mover, segundo Lira, reflete a busca por equilíbrio entre incentivos à indústria nacional e a necessidade de arrecadação.
Perspectivas futuras
O debate sobre a taxação de compras internacionais continuará, e é fundamental considerar os impactos econômicos, sociais e comerciais. A busca por uma política tributária justa e eficiente deve levar em conta tanto os interesses dos consumidores quanto a sustentabilidade da indústria brasileira.
== Por maria Rosa / Mundo-Nipo (MN)
Fontes
• Diário Oficial da União
• Ministério da Indústria e Comércio
• Agência Brasil
Foto em destaque
• Depositphotos