Atualizado em 01/09/2024
A maioria dos países tem algum tipo de superstição referente a animais e, no Japão, não poderia ser diferente, pois trata-se da nação mais supersticiosa do mundo. Sabemos que no folclore japonês há lendas sobre vários animais, que incluem raposas, cachorros, serpentes, texugos, pássaros, entre outros tantos e, portanto, o gato, um dos mais populares bichinhos de estimação, não poderia ficar de fora desse contexto.
Diz-se que os gatos existem no Japão atual depois de importados da China no período Nara (710 a 794), com o intuito de exterminar a peste (ratos) que assolara o país na época. Mais tarde, no período Edo (1603 a 1867), começou a surgir “histórias” sobre esses amáveis gatinhos, que incluem gatos sagrados de mosteiros, gatos que dão sorte como o Manekineko, gato da fortuna, gato celestial, entre muitos outros.
Contudo, entre tantos contos existentes sobre gatos no Japão, os mais populares são os que assombram, dos quais há relatos sobre esses “amáveis” bichanos que podem se transformar em terríveis “monstros”.
Bake-neko ou Neko-mata?
No folclore japonês existem vários personagens chamados de “gato monstro”, entre eles está o “Bake-neko”. Diz-se tratar-se de um gigantesco gato que, entre outros poderes, pode devorar uma pessoa para tomar sua forma. Porém, se este gato apresentar a cauda bifurcada, com duas pontas em sua extremidade, ele é chamado de Nekomata, ou Neko-mata. Esse monstruoso felino não é tão grande como o Bake-neko, mas pode chegar a medir até um metro e meio de comprimento, excluindo a cauda bifurcada.
Habilidade de manipular os mortos
O Nekomata consegue ficar de pé somente com suas patas traseiras e até sentar sobre elas. Alguns dizem que esta posição funciona como molas propulsoras, proporcionando-lhe mais agilidade para avançar em suas presas.
Acreditam ainda que ele tem o poder de ressuscitar e manipular os mortos como marionetes e, de vez em quando, até dançar com eles como um par de exímios dançarinos. Uma de suas maiores maldades é manipular o morto fazendo-o entrar nas casas para aterrorizar a família dos mortos ressuscitados.
Envolto em chamas
Muitas de suas lendas o retratam com o corpo envolto em chamas em suas extremidades (patas, rabos e orelhas), tal feito o faz parecer um verdadeiro demônio.
Sua maldade não tem limite, principalmente quando o Nekomata faz um cadáver queimar como bola de fogo, manipulando-o para que ande sozinho com o corpo ardendo em chamas pelas ruas, sempre na madrugada, com o intuito de perturbar os humanos.
Mediante isso, os japoneses adquiriram o costume de associar o Nekomata a estranhos incêndios com ocorrências inexplicáveis, principalmente se no local houver a incidência de que ali existiam “gatos velhos”, isso porque em vários livros antigos há relatos de que tanto gatos domésticos como gatos de rua podem se transformar em Nekomata quando ficam muito velhos.
Origem da cauda bifurcada
Existem várias histórias que narram como surgiu a cauda bifurcada de Nekomata. Uma delas envolve um guerreiro samurai que era atormentado por bolas de fogo todas as noites em seu quarto.
A história narra que, um certo dia, a esposa do samurai descobriu um gato escondido em seu jardim disfarçado com suas vestes. O guerreiro samurai então atirou uma flecha e esta acertou a cauda do gato, dividindo-a ao meio. Essa é uma das várias crenças de como surgiu a cauda bifurcada de Nekomata.
No livro Yamato Kaiiki (大 和 怪異 記, “Histórias Misteriosas do Japão”), escrito por um autor desconhecido em 1708, narra sobre a casa assombrada de um rico samurai onde os habitantes testemunharam várias atividades paranormais.
Tentando acabar com os eventos fantasmagóricos, o samurai convocou incontáveis monges, sacerdotes e evocadores com poderes místicos de afastar yokais (criaturas sobrenaturais), mas nenhum deles conseguiu localizar a fonte do terror.
Um dia, porém, um dos servos mais leais viu o gato envelhecido de seu mestre carregando em sua boca um shikigami (espécie de conjuração de espíritos que dá o poder de possuir pessoas e manipulá-las) com o nome do samurai impresso nele.
Ao ver tal cena horripilante, o servo atirou imediatamente uma flecha sagrada e atingiu o gato na cabeça. A criatura imediatamente caiu morto ao chão, foi quando todos puderam ver que o animal tinha uma cauda que se dividia em duas e, portanto, havia se tornado um Nekomata. Com sua morte, as atividades paranormais terminaram.
Histórias misteriosas semelhantes sobre encontros com Nekomata aparecem em livros como Taihei Hyakumonogatari (太平 百 物語, Coleção de 100 contos de fadas ), escrito por Yusuke em 1723.
Poderes
Contam que, quanto mais velho é um gato antes de sua transformação em Nekomata, mais poder ele possuirá.
Muito mais poderoso e malévolo do que a maioria dos “gatos monstros”, o Nekomata tem poderes de necromancia e, ao ressuscitar os mortos, os controlará com danças ritualísticas, gesticulando com a pata e o rabo, fazendo com que reajam ao seu comando como se fossem marionetes.
Para se vingar daqueles que o maltrataram quando era gato, ou simplesmente em um ato de pura maldade, o Nekomata gosta de assombrar os humanos fazendo com que se seus parentes falecidos os visitem após ressuscitados. A aparência física dos mortos, no entanto, são cadavéricas, como zumbis. Essa maléfica criatura também gosta de fazê-los dançar, e por vezes o explodem em bolas de fogo.
Alguns contos afirmam que os Nekomata são demônios que também têm poderes de assumir a forma humana, geralmente aparecendo como mulheres idosas em busca de ajuda e assim atrair pessoas inocentes para fazer maldades com elas.
Origem
Na mitologia chinesa, os Nekomata aparecem em registros descritos em livros anteriores ao surgimento dessas criaturas no folclore japonês.
Na dinastia Sui, os ideogramas 猫 鬼 e 金花 猫 descreviam os Nekomatas como “gatos misteriosos”. Na literatura japonesa, o Nekomata apareceu pela primeira vez no livro/registro chamado Meigetsuki, complilado por Fujiwara no Teika, no início do período Kamakura (1192-1333), na época do início de Tenpuku (1233), em Nanto, agora nomeadamente província de Nara, no centro-leste do Japão.
É dito que nessa época, na então Nanto, um bando de Nekomata invadiu a cidade. O Contam que as criaturas mataram e comeram várias pessoas em apenas uma noite em Nanto. Neste episódio, os gatos maléficos foram descritos nos registros como “bestas vindas da montanha”.
Mediante tantos registros de comportamentos e atos bizarros escritos em vários registros desde tempos antigos, os Nekomatas são considerados criaturas diabólicas.
A superstição
Os japoneses são reconhecidamente como um povo extremamente supersticioso, mas há alguns inacreditavelmente crédulos quanto a lendas sobre gatos velhos adquirir o poder de se transformar em monstros. Por conta disso, alguns chegam, até mesmo, mandar cortar a cauda de seu gato quando filhote, acreditando que assim poderá evitar que se transforme nesses temíveis “demônios felinos”.
Nekomata atual
Como muitas criaturas do folclore japonês, nos tempos modernos o Nekomata é descrito como kawaii (fofo) e está muito distante da besta feroz e devoradora de gente no período Kamakura.
Provavelmente, o personagem Kirara da série de anime e mangá InuYasha é o que mais se assemelha ao Nekomata. Há ainda vários personagens de franquias famosas que foram inspirados nesse velho felino, tais como em Pokémon (Meowstic) e Naruto (Matatabi/Duas Caldas).
Por Maria Rosa (artigo criado originalmente em 2006)
Principais fontes de pesquisa
• Livro Kwaidan: Stories and Studies of Strange Things
• Livro Myths and Legends of Japan
• Registro Hyakumonogatari
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