Sérgio Moro anunciou sua demissão, nesta sexta-feira (24), do cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública, após denunciar uma tentativa de “interferência política” por parte do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, na Polícia Federal (PF).
A gota que fez o copo transbordar – segundo ele – foi a destituição do diretor-geral da PF, publicada de madrugada no Diário Oficial.
“O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [na Polícia Federal], que ele pudesse ligar, colher relatórios de Inteligência. Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações devem ser preservadas”, denunciou Moro em coletiva de imprensa em Brasília.
Símbolo da luta contra a corrupção, Moro também afirmou que Bolsonaro disse estar “preocupado” com algumas investigações em andamento e que esta foi uma das razões pelas quais queria mudar o chefe da PF, Maurício Valeixo, nomeado por Moro.
O agora ex-ministro alertou o presidente de que se tratava de uma mudança injustificada e que implicaria uma “interferência política” na instituição, mas Bolsonaro seguiu adiante com seu plano.
“Este ato foi um sinal de que o presidente me quer fora do cargo”, acrescentou Moro, que esperava que Bolsonaro cumprisse sua promessa de dar-lhe total liberdade para nomear seus assessores, incluindo o diretor-geral da PF.
Renúncia reflete na Bolsa de São Paulo
A renúncia de Moro, o ministro mais popular de todo o gabinete, derrubou a Bolsa de São Paulo em 8% e afundou a cotação do real, que estava sendo negociado a um mínimo histórico de 5,70 reais por dólar.
Ministro-chave
Moro é o segundo ministro-chave que sai do governo nas últimas semanas. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi demitido após insistir na necessidade de manter medidas de quarentena para enfrentar a pandemia do novo coronavírus, contrariando o parecer de Bolsonaro.
Intervenção em investigações
Nos bastidores, a mudança do diretor da Polícia Federal é vista como uma tentativa de controlar investigações que cercam a família do presidente e aliados políticos.
“Bolsonaro quer se proteger. Cabe à PF investigar suspeitas de vários crimes que rondam o presidente, sua família e seus aliados”, afirma Sylvio Costa, fundador do site especializado em cobertura política Congresso em Foco.
Em seu discurso de renúncia, Moro não se referiu a nenhum caso em específico, mas destacou que não foram registradas tentativas de interferência semelhantes nem mesmo no auge da operação Lava Jato, que teve início em 2014, sob o governo do Partido dos Trabalhadores (PT).
A Lava Jato revelou um gigantesco esquema de corrupção entre políticos, empresários e funcionários da estatal Petrobras e levou à prisão importantes figuras empresariais e políticas, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Analistas apontam que a saída de Moro coroa um processo de “politização” de organismos governamentais que combatem a corrupção, apesar do discurso de transparência e honestidade que Bolsonaro defendeu durante a campanha eleitoral de 2018.
“Desde que assumiu o governo [em janeiro de 2019], Bolsonaro tentou intervir em uma série de órgãos anticorrupção com o objetivo de aumentar seu controle sobre futuras investigações”, aponta o analista Thomaz Favaro, da consultora Control Risks.
Favaro destaca como exemplo a nomeação do procurador-geral, Augusto Aras, escolhido pelo presidente por fora da lista sugerida pelos promotores brasileiros, uma tradição que era respeitada por todos os presidentes pelo menos desde 2003.
A saída de Moro “é um sinal de uma nova e perigosa fase para o Brasil”, porque “a autonomia da Polícia Federal (e o império da lei) é um fundamento essencial da governança democrática”, alerta Robert Muggah, diretor do instituto de investigação Igarapé, no Rio de Janeiro.
Moro, que abandonou uma carreira de juiz de mais de duas décadas para assumir um cargo no governo, afirmou que além de querer preservar a autonomia das instituições, renunciou para “preservar sua biografia”.
Com Agência AFP.
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