Origem e princípios da Cerimônia do Chá no Japão

A Cerimônia do Chá não é apenas saborear o chá. Os mestres dizem que a cerimônia leva ao estado de tranquilidade é o praticante experimenta momentos de paz.
Cerimonia do Cha em Kyoto obra de Yoshu Chikanobu na Era Meiji Foto Aflo Images
Cerimonia do Chá em Kyoto / Obra do artista Yoshu Chikanobu, datada da Era Meiji | ©Aflo Images

Atualizado em 17/02/2022

No século XII, quando o Zen Budismo era introduzido no solo japonês, também chegava o matcha (chá verde em pó). Utilizado pelos monges para manterem-se acordados durante suas meditações noturnas, esse hábito acabou se transformando em filosofia de vida através do “Chado” (Caminho do Chá), materializado no ritual “Chanoyu”, ou seja, a Cerimônia de Chá.

Cerimonia do Cha materia prima matcha Foto Stockvault
Matcha, matéria prima da Cerimônia do Chá | ©Stockvault

Praticado exclusivamente por homens, somente no final do século XIX o Chadô foi franqueado às mulheres. Ennosai, 13º grão-mestre de Urassenke, ensinou essa arte as viúvas e órfãos da guerra sino-japonesa (1894/95) para que sobrevivessem como professoras de chá. A partir disso, espalhou-se para todas as classes sociais através de aulas em escolas e templos.

Com a proposta de alcançar “a paz numa xícara de chá”, os mestres se dedicam à difusão da filosofia do chá no Ocidente. O ritual, a concentração, o desenvolvimento rítmico da Cerimônia do Chá levam a meditação, a tranquilidade e a paz superior, ensinam os mestres.

A prática

A prática de tomar chá verde em pó aportou ao Japão com os monges zen-budistas que chegavam da China, no século XII. Com o tempo, seu uso se difundiu entre samurais, chegando até às comunidades rurais.

Tornaram-se comuns os “Cha-yoriai” (reuniões de chá), em que se promoviam concursos de provadores de chá com ostensivas exibições de riqueza e apostas vultosas.

Foi somente no final século XV que o monge zen-budista Murata Shuko (1422/1502) passou a incentivar a prática da cerâmica de chá em salas pequenas, com pouco utensílios, muitos de procedência doméstica.

Coube a outro monge, Sen no Rikyu (1522/1591), dar a estrutura definitiva para a cerimônia do chá, no final do século XVI (período Momoyama), o mais ostentador da história japonesa.

Ligado à filosofia zen, Sen Rikyu pregava o espírito wabi (desprendimento, simplicidade, eliminação do supérfluo) para a Cerimônia de Chá que, ao longo dos anos, também se tornara a essência da arte japonesa.

Os princípios

Segundo Rikyu, os princípios básicos do Caminho do chá são: Harmonia (Wa), Respeito (Kei), Pureza (Sei) e Tranquilidade (Jaku).  Cabe ao Chajin (homem do chá), criar um ambiente, através do rígido ritual e total participação, onde esses princípios sejam sentidos e vividos intensamente por todos, por um momento único e irrepetível.

Harmonia
A Harmonia resulta da interação do anfitrião, do convidado, da comida servida, dos utensílios usados e da natureza. Antes do chá, será oferecido doce ou uma leve refeição ao convidado cujos pratos estarão de acordo com a estação do ano.

Respeito
O segundo principio, o Respeito, refere-se à sinceridade do coração, aberto para um relacionamento com o ser humano e a natureza, reconhecendo a dignidade inata de cada um.

Pureza
A Pureza, segundo os ensinamentos de Rikyu, relaciona-se ao simples ato de limpar. Os preparativos, o próprio serviço do chá e a limpeza após a cerimônia, colocando em ordem, também, o seu próprio íntimo. Esta ordem é essencial.

Tranquilidade
Finalmente, a Tranquilidade é o conceito estético próprio do chá, alcançando através da prática constante em nosso cotidiano desses três primeiros princípios básicos.

Segundo Rikyu, o ponto essencial do Caminho do Chá é que seus princípios são dirigidos à totalidade da existência e não somente aos momentos vividos em uma sala de chá. É uma disciplina a ser treinada durante toda uma vida. São necessários pelo menos 10 anos para o domínio de todas as nuanças relativas à cerimônia.

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Equilíbrio é fundamental na Cerimônia do Chá | ©Flickr@Nina

O CAMINHO É O SEU DIA A DIA
O Chá é nada mais do que isto:
Primeiro você aquece a água, e então você prepara o chá.
Então você o bebe corretamente.
Isso é tudo o que você precisa saber.

(Sen no Rikyu)
Cerimônia segue intacta até os dias atuais

O desenvolvimento da arquitetura, jardinagem paisagística, cerâmica e artes florais para a Cerimônia do Chá se mantêm até os dias atuais, bem como a apreciação do cômodo onde é realizada, o jardim a ele contíguo, os utensílios utilizados no servir o chá, a decoração do ambiente como um rolo suspenso ou um “chabana”(arrojo floral para a cerimônia do chá).

Cerimonia do cha realizada em evento em Nagoya Foto Aflo Images
Cerimônia do Chá nos dias atuais | ©Aflo Images

O espírito da Chanoyu, representando a beleza da simplicidade e da harmonia com a natureza, moldou a base dessas formas tradicionais da cultura japonesa e que são mantidos intactos por mais mais de um milênio.

Variedades de Cerimônia do Chá

Há muitas maneiras de realizar uma cerimônia de chá, que varia de acordo com a escola que o anfitrião pertence. a conformidade com a ocasião e a estação do ano. Nos elementos essenciais, todavia, há uma semelhança básica.

Sukiya (Casa de chá)

É costume muito antigo ter uma pequena casa especialmente construída para o Chanoyu. Denominada Sukiya, a casa consiste de uma sala de chá (cha-shitsu), uma sala de preparo (mizu-ya), sala de espera (yoritsuki) e de um caminho ajardinado (roji) que leva à entrada da casa de chá. A casa, geralmente, é localizada numa seção arborizada especialmente criada para esse fim no jardim propriamente dito.

Utensílios

Os principais utensílios são a “cha-wan”(tigela de chá), o “cha-ire”(recipiente do cha), a “cha-sen”(vassourinha de chá feita de bambu) e o “cha-shaku”(concha de chá feita de bambu). Esses utensílios são considerados pelos japoneses como valiosos objetos de arte.

Trajes e acessórios

Roupas de cores discretas são preferidas. Em ocasiões estritamente formais, os homens vestem quimono de seda, de cor firme, com três ou cinco brasões de família nele estampados e “tabi”, brancas ou meias tradicionais japonesas. Nessas ocasiões, as mulheres trajam conservador quimono blasonado e também “tabi”. Os convidados devem trazer um pequeno leque dobrável e uma almofada de “kaishi” (pequenos guardanapos de papel).

Cerimonia do Cha relizada em na casa de cha Ippodo em Kyoto na era Meiji Foto Aflo Images
Geisha realizando a Cerimonia do Chá na antiga casa de chá Ippodo, em Kyoto – foto data da Era Meiji | ©Aflo Images / Domínio Público

Quando Kyoto era capital do Japão, todas as Geishas, ou Gueixas, passaram a receber os ensinamentos da Cerimônia do Chá, uma arte passada pelas Geikos experientes às Maikos (aprendiz de Geisha), sendo que estas precisam de cerca de 5 anos de prática para aprender, bem como ter ter permissão, de realizar sozinha uma Cerimônia do Chá aos moldes tradicionais.

A Cerimônia

A cerimônia do chá tradicional consiste em 4 sessões e dura cerca de quatro horas.

Veja abaixo quais são as 4 sessões:

Primeira sessão
Uma refeição ligeira, denominada “kaiseki”, é servida: os convidados, cinco ao todo, reúnem-se na sala de espera. O anfitrião comparece e os conduz pelo caminho ajardinado até a sala de chá. Num determinado lugar do caminho há uma bacia de pedra cheia de água fresca. Ali elas lavam as mãos e a boca. A entrada para a sala é muito pequena, o que obriga os convidados a rastejar para atravessá-la numa demonstração de humildade.

Ao entrar na sala, que é provida de fogareiro fixo ou portátil para a chaleira, cada convidado ajoelha-se à frente do “tokonoma” ou nicho e faz uma reverência respeitosa. Em seguida, com o leque dobrável diante de si, ele admira o rolo suspenso na parede do “tokonoma”. A seguir, olha do mesmo modo o fogareiro. Quando todos os convidados concluírem a contemplação desses objetos, eles tomam seus assentos, com o principal no lugar mais próximo do anfitrião. Depois que o anfitrião e os convidados trocarem cumprimentos, a “kaiseki” é servida, com os doces terminando a leve refeição.

Segunda sessão
Este é o momento em que os convidados fazem o “nakadachi” (breve pausa). Por sugestão do anfitrião, os convidados retiram-se para o banco de espera existente no jardim interno próximo à sala.

Cerimonia do Cha fotografada por Kusakabe Kimbei fotografo da era Meiji 1841 1934 Foto Aflo Imagens
Cerimônia do Chá fotografada por Kusakabe Kimbei, famoso fotógrafo que viveu na Era Meiji de 1841 a 1934 | ©Aflo Imagens / Domínio Público

Terceira sessão
Denominado “Goza-iri”, é a etapa principal da cerimônia, na qual é servido o chá. Primeiro um gongo de metal próximo à sala é tocado pelo anfitrião para assinalar o início da cerimônia principal. É costume fazer soar o gongo cinco ou sete vezes. Os convidados erguem-se neste momento.

Depois de repetir o Rito de purificação na bacia, eles entram novamente na sala. Os biombos de junco suspensos do lado de fora das janelas são retirados por um assistente a fim de tornar mais claro o ambiente. O rolo suspenso desaparece e, no “tokonoma”, há um vaso com flores.

O receptáculo para água fresca e o recipiente de cerâmica para o chá estão em posição antes que o anfitrião entre trazendo a tigela de chá com a vassourinha e a concha de chá dentro dela.

Os convidados examinam e admiram as flores e a chaleira exatamente como fizeram no início da primeira sessão. O anfitrião retira-se para a sala de preparo e logo retorna com o receptáculo para água servida, a cocha e o descanso para da tampa da chaleira ou cocha.

Em seguida, o anfitrião limpa o recipiente de chá e a concha com pano especial denominado “fukusa”, fazendo o mesmo com a vassourinha na tigela de chá contendo água quente tirada da chaleira. O anfitrião esvazia a tigela, despejando a água no receptáculo de água servida e limpa a tigela com um “chakin” ou pedaço de tecido de linho.

O anfitrião ergue a cocha de chá e o recipiente e põe “matcha” (três conchas para cada convidado) na tigela e tira uma concha cheia de água quente da chaleira, pondo cerca de um terço dela na tigela e devolvendo o que sobrou à chaleira. A seguir, ele bate a mistura com a vassourinha até que se transforme em algo que lembre uma muito grossa sopa de ervilha verde tanto na consistência como na cor.

O chá feito é denominado “koicha”. O “matcha” usado aqui é feito de folhas tenras de plantas de chá com idade de 20 a 70 anos ou mais. O anfitrião coloca a tigela no seu lugar apropriado, junto ao fogareiro, e o convidado principal desloca-se de joelhos, para pegar a tigela.

O convidado faz uma reverência com a cabeça, para os outros convidado e põem a tigela na palma de sua mão esquerda, sustentando um dos lados dela com a direita. Depois de tomar um gole, ele elogia o sabor da bebida e, em seguida, toma mais dois goles. Limpa a beirada da tigela onde bebeu com o “kaishi” de papel e passa a tigela para o segundo convidado que bebe e limpa a tigela tal como o fez o convidado principal.

A tigela é então passada para o terceiro convidado, e, seguida, para o quarto, até que todos os cinco tenham partilhado do chá. Quando o último convidado termina, ele entrega a tigela ao convidado principal que a devolve ao anfitrião.

Quarta sessão
Nesta etapa ocorre a cerimônia com “usucha”, que difere do “kaicha” na circunstância de que primeiro é feito de plantas tenras com a idade de apenas 3 a 15 anos. Ele proporciona uma mistura espumosa.

As regras seguidas nessa cerimônia são semelhantes as exigidas no “kaicha”, mas há algumas diferenças. A primeira é que o chá é feito individualmente para cada convidado com duas a duas e meia conchas de “matcha”. Espera-se que cada convidado beba toda a sua porção. Já a segunda diferença está no fato de que o convidado limpar a parte da tigela em que seus lábios tocaram com os dedos da mão direita. Ele limpa essa parte com o “kaishi” de papel.

Depois que o anfitrião retira os utensílios da sala, ele faz uma reverência silenciosa com a cabeça para os convidado, dando a entender que a cerimônia terminou. Os convidados deixam a “sukiya”, despedido-se respeitosamente do anfitrião.

Por Maria Rosa (Artigo criado originalmente em 2008)
Principais fontes de pesquisa
Livro (tiragem única de 20.000 exemplares em 1992): Cultura Japonesa – Edição e publicação: Aliança Cultural Brasil-Japão (arquivo pessoal de Maria Rosa)
Livro: Soshitsu EN XV. Vivencia e Sabedoria do Chá. São Paulo, T.A. Queiroz Editor, 1981 (arquivo pessoal de Maria Rosa)
Livro: Japan “Dictionary Culture and Civilization” | Autores: Frederic Louis David and Alvaro Iwang
Site: Embaixada do Japão no Brasil

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