Atualizado em 18/01/2024
No século XII, quando o Zen Budismo era introduzido no solo japonês, também chegava o matcha (chá verde em pó). Utilizado pelos monges para manterem-se acordados durante suas meditações noturnas, esse hábito acabou se transformando em filosofia de vida através do “Chado” (Caminho do Chá), materializado no ritual “Chanoyu”, ou seja, a Cerimônia do Chá.
Praticado exclusivamente por homens, somente no final do século XIX o Chadô foi franqueado às mulheres. Ennosai, 13º grão-mestre de Urassenke, ensinou essa arte as viúvas e órfãos da guerra sino-japonesa (1894/95) para que sobrevivessem como professoras de chá. A partir disso, espalhou-se para todas as classes sociais através de aulas em escolas e templos.
Com a proposta de alcançar “a paz numa xícara de chá”, os mestres se dedicam à difusão da filosofia do chá no Ocidente. O ritual, a concentração, o desenvolvimento rítmico da Cerimônia do Chá levam a meditação, a tranquilidade e a paz superior, ensinam os mestres.
A prática
A prática de tomar chá verde em pó aportou ao Japão com os monges zen-budistas que chegavam da China, no século XII. Com o tempo, seu uso se difundiu entre samurais, chegando até às comunidades rurais.
Tornaram-se comuns os “Cha-yoriai” (reuniões de chá), em que se promoviam concursos de provadores de chá com ostensivas exibições de riqueza e apostas vultosas.
Foi somente no final século XV que o monge zen-budista Murata Shuko (1422/1502) passou a incentivar a prática da cerâmica de chá em salas pequenas, com pouco utensílios, muitos de procedência doméstica.
Coube a outro monge, Sen no Rikyu (1522/1591), dar a estrutura definitiva para a cerimônia do chá, no final do século XVI (período Momoyama), o mais ostentador da história japonesa.
Ligado à filosofia zen, Sen Rikyu pregava o espírito wabi (desprendimento, simplicidade, eliminação do supérfluo) para a Cerimônia de Chá que, ao longo dos anos, também se tornara a essência da arte japonesa.
Os princípios
Segundo Rikyu, os princípios básicos do Caminho do chá são: Harmonia (Wa), Respeito (Kei), Pureza (Sei) e Tranquilidade (Jaku). Cabe ao Chajin (homem do chá), criar um ambiente, através do rígido ritual e total participação, onde esses princípios sejam sentidos e vividos intensamente por todos, por um momento único e irrepetível.
Harmonia
A Harmonia resulta da interação do anfitrião, do convidado, da comida servida, dos utensílios usados e da natureza. Antes do chá, será oferecido doce ou uma leve refeição ao convidado cujos pratos estarão de acordo com a estação do ano.
Respeito
O segundo principio, o Respeito, refere-se à sinceridade do coração, aberto para um relacionamento com o ser humano e a natureza, reconhecendo a dignidade inata de cada um.
Pureza
A Pureza, segundo os ensinamentos de Rikyu, relaciona-se ao simples ato de limpar. Os preparativos, o próprio serviço do chá e a limpeza após a cerimônia, colocando em ordem, também, o seu próprio íntimo. Esta ordem é essencial.
Tranquilidade
Finalmente, a Tranquilidade é o conceito estético próprio do chá, alcançando através da prática constante em nosso cotidiano desses três primeiros princípios básicos.
Segundo Rikyu, o ponto essencial do Caminho do Chá é que seus princípios são dirigidos à totalidade da existência e não somente aos momentos vividos em uma sala de chá. É uma disciplina a ser treinada durante toda uma vida. São necessários pelo menos 10 anos para o domínio de todas as nuanças relativas à cerimônia.
O CAMINHO É O SEU DIA A DIA
(Sen no Rikyu)
O Chá é nada mais do que isto:
Primeiro você aquece a água, e então você prepara o chá.
Então você o bebe corretamente.
Isso é tudo o que você precisa saber.
Cerimônia segue intacta até os dias atuais
O desenvolvimento da arquitetura, jardinagem paisagística, cerâmica e artes florais para a Cerimônia do Chá se mantêm até os dias atuais, bem como a apreciação do cômodo onde é realizada, o jardim a ele contíguo, os utensílios utilizados no servir o chá, a decoração do ambiente como um rolo suspenso ou um “chabana”(arrojo floral para a cerimônia do chá).
O espírito da Chanoyu, representando a beleza da simplicidade e da harmonia com a natureza, moldou a base dessas formas tradicionais da cultura japonesa e que são mantidos intactos por mais mais de um milênio.
Variedades de Cerimônia do Chá
Há muitas maneiras de realizar uma cerimônia de chá, que varia de acordo com a escola que o anfitrião pertence. a conformidade com a ocasião e a estação do ano. Nos elementos essenciais, todavia, há uma semelhança básica.
Sukiya (Casa de chá)
É costume muito antigo ter uma pequena casa especialmente construída para o Chanoyu. Denominada Sukiya, a casa consiste de uma sala de chá (cha-shitsu), uma sala de preparo (mizu-ya), sala de espera (yoritsuki) e de um caminho ajardinado (roji) que leva à entrada da casa de chá. A casa, geralmente, é localizada numa seção arborizada especialmente criada para esse fim no jardim propriamente dito.
Utensílios
Os principais utensílios são a “cha-wan”(tigela de chá), o “cha-ire”(recipiente do cha), a “cha-sen”(vassourinha de chá feita de bambu) e o “cha-shaku”(concha de chá feita de bambu). Esses utensílios são considerados pelos japoneses como valiosos objetos de arte.
Trajes e acessórios
Roupas de cores discretas são preferidas. Em ocasiões estritamente formais, os homens vestem quimono de seda, de cor firme, com três ou cinco brasões de família nele estampados e “tabi”, brancas ou meias tradicionais japonesas. Nessas ocasiões, as mulheres trajam conservador quimono blasonado e também “tabi”. Os convidados devem trazer um pequeno leque dobrável e uma almofada de “kaishi” (pequenos guardanapos de papel).
Quando Kyoto era capital do Japão, todas as Geishas, ou Gueixas, passaram a receber os ensinamentos da Cerimônia do Chá, uma arte passada pelas Geikos experientes às Maikos (aprendiz de Geisha), sendo que estas precisam de cerca de 5 anos de prática para aprender, bem como ter ter permissão, de realizar sozinha uma Cerimônia do Chá aos moldes tradicionais.
A Cerimônia
A cerimônia do chá tradicional consiste em 4 sessões e dura cerca de quatro horas.
As 4 sessões
Primeira sessão
Uma refeição ligeira, denominada “kaiseki”, é servida: os convidados, cinco ao todo, reúnem-se na sala de espera. O anfitrião comparece e os conduz pelo caminho ajardinado até a sala de chá. Num determinado lugar do caminho há uma bacia de pedra cheia de água fresca. Ali elas lavam as mãos e a boca. A entrada para a sala é muito pequena, o que obriga os convidados a rastejar para atravessá-la numa demonstração de humildade.
Ao entrar na sala, que é provida de fogareiro fixo ou portátil para a chaleira, cada convidado ajoelha-se à frente do “tokonoma” ou nicho e faz uma reverência respeitosa. Em seguida, com o leque dobrável diante de si, ele admira o rolo suspenso na parede do “tokonoma”. A seguir, olha do mesmo modo o fogareiro. Quando todos os convidados concluírem a contemplação desses objetos, eles tomam seus assentos, com o principal no lugar mais próximo do anfitrião. Depois que o anfitrião e os convidados trocarem cumprimentos, a “kaiseki” é servida, com os doces terminando a leve refeição.
Segunda sessão
Este é o momento em que os convidados fazem o “nakadachi” (breve pausa). Por sugestão do anfitrião, os convidados retiram-se para o banco de espera existente no jardim interno próximo à sala.
Terceira sessão
Denominado “Goza-iri”, é a etapa principal da cerimônia, na qual é servido o chá. Primeiro um gongo de metal próximo à sala é tocado pelo anfitrião para assinalar o início da cerimônia principal. É costume fazer soar o gongo cinco ou sete vezes. Os convidados erguem-se neste momento.
Depois de repetir o Rito de purificação na bacia, eles entram novamente na sala. Os biombos de junco suspensos do lado de fora das janelas são retirados por um assistente a fim de tornar mais claro o ambiente. O rolo suspenso desaparece e, no “tokonoma”, há um vaso com flores.
O receptáculo para água fresca e o recipiente de cerâmica para o chá estão em posição antes que o anfitrião entre trazendo a tigela de chá com a vassourinha e a concha de chá dentro dela.
Os convidados examinam e admiram as flores e a chaleira exatamente como fizeram no início da primeira sessão. O anfitrião retira-se para a sala de preparo e logo retorna com o receptáculo para água servida, a cocha e o descanso para da tampa da chaleira ou cocha.
Em seguida, o anfitrião limpa o recipiente de chá e a concha com pano especial denominado “fukusa”, fazendo o mesmo com a vassourinha na tigela de chá contendo água quente tirada da chaleira. O anfitrião esvazia a tigela, despejando a água no receptáculo de água servida e limpa a tigela com um “chakin” ou pedaço de tecido de linho.
O anfitrião ergue a cocha de chá e o recipiente e põe “matcha” (três conchas para cada convidado) na tigela e tira uma concha cheia de água quente da chaleira, pondo cerca de um terço dela na tigela e devolvendo o que sobrou à chaleira. A seguir, ele bate a mistura com a vassourinha até que se transforme em algo que lembre uma muito grossa sopa de ervilha verde tanto na consistência como na cor.
O chá feito é denominado “koicha”. O “matcha” usado aqui é feito de folhas tenras de plantas de chá com idade de 20 a 70 anos ou mais. O anfitrião coloca a tigela no seu lugar apropriado, junto ao fogareiro, e o convidado principal desloca-se de joelhos, para pegar a tigela.
O convidado faz uma reverência com a cabeça, para os outros convidado e põem a tigela na palma de sua mão esquerda, sustentando um dos lados dela com a direita. Depois de tomar um gole, ele elogia o sabor da bebida e, em seguida, toma mais dois goles. Limpa a beirada da tigela onde bebeu com o “kaishi” de papel e passa a tigela para o segundo convidado que bebe e limpa a tigela tal como o fez o convidado principal.
A tigela é então passada para o terceiro convidado, e, seguida, para o quarto, até que todos os cinco tenham partilhado do chá. Quando o último convidado termina, ele entrega a tigela ao convidado principal que a devolve ao anfitrião.
Quarta sessão
Nesta etapa ocorre a cerimônia com “usucha”, que difere do “kaicha” na circunstância de que primeiro é feito de plantas tenras com a idade de apenas 3 a 15 anos. Ele proporciona uma mistura espumosa.
As regras seguidas nessa cerimônia são semelhantes as exigidas no “kaicha”, mas há algumas diferenças. A primeira é que o chá é feito individualmente para cada convidado com duas a duas e meia conchas de “matcha”. Espera-se que cada convidado beba toda a sua porção. Já a segunda diferença está no fato de que o convidado limpar a parte da tigela em que seus lábios tocaram com os dedos da mão direita. Ele limpa essa parte com o “kaishi” de papel.
Depois que o anfitrião retira os utensílios da sala, ele faz uma reverência silenciosa com a cabeça para os convidado, dando a entender que a cerimônia terminou. Os convidados deixam a “sukiya”, despedido-se respeitosamente do anfitrião.
Por Maria Rosa (Matéria produzida originalmente em 2008)
Principais fontes de pesquisa
• Livro Cultura Japonesa – Edição e publicação: Aliança Cultural Brasil-Japão / tiragem única de 20.000 exemplares em 1992 (arquivo pessoal de Maria Rosa)
• Livro Soshitsu EN XV. Vivencia e Sabedoria do Chá. São Paulo, T.A. Queiroz Editor, 1981 (arquivo pessoal de Maria Rosa)
• Livro Japan – Dictionary Culture and Civilization
• Site Embaixada do Japão no Brasil
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