Atualizado em 06/09/2015 – 07h47
É de conhecimento geral que no Japão existe um número sem fim de templos, santuários e castelos milenares. Um país que, acima de tudo, preza sua cultura e tradição, com muitos festivais e cerimônias ainda realizados fielmente por mais de mil anos.
A cultura japonesa também conta com uma rica mitologia, que narra histórias sobre uma infinidade de deuses, guerreiros, heróis, entre outros temas, além de milhares de lendas dos mais variados tipos, incluindo contos sobre flores, animais e yokais (criaturas sobrenaturais).
Há ainda um número inimaginável de objetos diretamente ligados ao folclore japonês. Um desse objetos sãos as bonecas de modo geral (bonecas e bonecos), que carregam consigo simbolismos variados desde os tempos do Japão antigo. No país, há diferentes tipos de bonecas, com a maioria tendo os seus próprios significados.
As bonecas para os japoneses
Houve um tempo em que se acreditava que certas bonecas adquiriam vida, que seus pequenos corpos abrigavam a alma humana, constituindo essa crença um mero eco da ideia de que muito amor pode fazer as coisas viverem.
No Japão antigo, a boneca passava de geração a geração e geralmente permanecia em excelente condição por mais de um século. Cem anos entre os braços de crianças que a alimentava, a punha para dormir todas as noites, que a amava e a fazia feliz. Isso pode, sem dúvidas, suscitar maravilhas na imaginação poética de um povo infantil e feliz como o japonês.
O respeito pelas bonecas
No Japão, as bonecas são tratadas com o máximo respeito. Muitos ainda mantêm uma tradição extremamente antiga para com as bonecas, que após uma vida longa e feliz, depois de danificada e reconhecidamente morta, ela não é atirada ao lixo, nem incinerada, muito menos deitada sobre as águas de um córrego ou rio ou enterrada. Mas dedicada a “Kojin”- divindade frequentemente representada com muitos braços. Acredita-se que Kojin habita a árvore “Enoki”. Diz-se que, diante dessa árvore, existe um pequeno santuário, onde a velha boneca é reverentemente depositada.
Hakata ningyo
No Japão, existem os mais variados tipos de ningyo (palavra japonesa que refere-se a bonecos de modo geral). A variedade mais famosa é a kokeshi, conhecida em praticamente todo o mundo. No entanto, um boneco muito cobiçado é o “Hakata”, que são pequenas imagens produzidas em cerâmica feitas a mão, uma tradição que é mantida por mais de quatro séculos no país.
Até o Papa Bento XVI ganhou um boneco Hakata quando recebeu, no Vaticano, um dos maiores mestres japoneses dessa arte, Shinkyo Nakamura.
A riqueza de detalhes no rosto e nas roupas dos Hakata é impressionante. O ateliê de Nakamura, em Fukuoka, sul do Japão, também pode fazer parte de um tour no país, onde, além de o turista ter a oportunidade de conhecer o mestre e sua arte, também pode comprar alguns ningyo. Embora não seja uma lembrancinha barata, é uma boa forma de conhecer um artesanato lindo, delicado e, o melhor, só existe no Japão.
Explicação sobre o nome “Hakata ningyo”
Hakata é um distrito de Fukuoka e o centro de produção dos tradicionais ningyo (boneco) típicos da região. Estes são chamados de Hakata ningyo (Boneco ou Boneca de Hakata).
Lista com alguns dos principais ningyos
• HINA NINGYO (Bonecos do Festival das Meninas)
• GOGATSU NINGYO (Bonecos do Festival dos Meninos)
• NOH NINGYO (Bonecos do Teatro Nô)
• BUNRAKU NINGYO / KABUKI NINGYO (Bonecos de Famosas Cenas de Teatro Bunraku e Teatro Kabuki)
• KYO NINGYO (Bonecas de Kyoto)
• SAGA NINGYO (Bonecas de Saga)
• OYAMA NINGYO (Bonecas que Representam Jovens Mulheres)
• KIMEKOMI NINGYO (Bonecos de Madeira Vestidos com Quimono)
• HAKATA NINGYO (Bonecos de Hakata)
• GOSHO NINGYO (Bonecos do Palácio Imperial)
• ICHIMATSU NINGYO (Bonecos Ichimatsu)
• KOKESHI NINGYO (Bonecos Kokeshi)
Gosho ningyo
Esses bonecos geralmente representam bebês gordinhos e alegres, em uma forma infantil simplificada, tendo como principal característica a pele branca e brilhante. Há ainda o gosho, que usa vestimentas tradicionais, incluindo trajes de samurais e até imperial.
O material usado para criar a aparência extremamente branca é chamado de gofun, que é uma pasta derivada de concha de ostra triturada, misturada a outra pasta de arroz. Seu rosto é pintado bem levemente, justamente para capturar os mínimos detalhes de uma criança. Ao invés dos populares olhos de vidro, os artesãos mantiveram os tradicionais olhos pintados de preto.
Existem vários nomes associados ao gosho: bonecos da sorte, shira-kiku (crisântemo branco), shirajishi ningyo (boneco da pele branca), zudai (cabeça grande) ou izukura ningyo, que se refere a um negociante de bonecas de Osaka. O termo gosho pode ser traduzido como “vindo do Palácio Imperial”, desde que eles foram criados por fabricantes de bonecas de Kyoto, especificamente para serem ofertados pela Família Imperial a visitantes especiais. Aqueles que os recebem os valorizam muito, pois é um símbolo de prestígio junto à Realeza. Consequentemente, a prática de ofertar bonecos gosho, como presentes especiais, se espalhou por todo o país.
Kamo ningyo
Kamo ningyo ou yanagi ningyo é um boneco de madeira pequeno, medindo cerca de 5 a 7 centímetros (apesar de existir bonecos menores, com menos de 1 centímetro). As roupas são coladas à escultura em madeira e depois moldada para um melhor acabamento e ajuste das vestes.
Os bonecos Kamo eram estritamente regional, feitos somente no santuário Kamigamo ou Kamo-gami, em Kyoto. Originalmente feito na primeira metade do século XVIII por monges ou artesãos a serviço do santuário, os bonecos eram vendidos como lembranças em épocas de festivais. O clima festivo é refletido nos rostos sorridentes e amigáveis, uma característica de identificação dos bonecos Kamo.
Sua criação é atribuída a Takahashi ou Takashi Tadashige (1736-1740), um artesão a serviço do Santuário de Kamo, que fez os bonecos a partir de pedaços de madeira de salgueiro e restos de sedas que sobrara de outros objetos confeccionados para festivais no santuário. A utilização destes materiais sagrados teria lhe conferido bênçãos especiais. Além disso, a madeira de salgueiro era abundante porque as árvores de salgueiro crescia em grandes quantidades nas margens do rio Kamo. Dizem que Tadashige colou as roupas na madeira, e entalhou ranhuras para pregar as dobras do tecido, porque não sabia costurar.
Na verdade, os bonecos Kamo são pequenas estátuas de madeira de que a cabeça, as mãos e os pés são esculpidos de modo que fiquem na cor natural da madeira e suas características são delicadamente pintadas. O corpo é, então, revestido por uma técnica chamada “kimekomi”, traduzido livremente significa “pressão” (do tecido) na madeira para formar um padrão. Os contornos do vestuário são pressionados na escultura de madeira e coberto com diferentes tipos de tecidos, que são levemente colados e firmemente empurrados nos entalhos, formando, assim, as diferentes camadas e desenhos das roupas.
Karakuri ningyo
É um boneco que possui algum tipo de dispositivo mecânico dentro dele (corda, mola, engrenagens, etc.) que lhe confere movimento. Os primeiros Karakuri surgiram no no período Edo, e um exame nos mecanismos utilizados nos bonecos revelou uma influência da tecnologia europeia de fabricação de relógios, que foi introduzido no Japão pelos jesuítas.
Enquanto os bonecos europeus eram fabricados de modo a imitar os movimentos humanos da maneira mais perfeita possível, o karakuri, provavelmente sob a influência do teatro “Nô” ou “No”, realizava movimentos abstratos para expressar emoções humanas.
Muitos bonecos adornam carros alegóricos que desfilam durante os diferentes festivais japoneses. Cada boneco é resultado do trabalho meticuloso de um artesão, que precisa ter múltiplas habilidades, como conhecimentos em carpintaria, escultura e mecânica.
O karakuri ningyo pode ser dividido em três categorias:
1. Dashi karakuri: usado nos carros alegóricos dos matsuri, simbolizando as divindades.
2. Zashiki karakuri: utilizado como presente em comemorações especiais, principalmente pelos nobres e ricos comerciantes. Dizem que foi a primeira boneca a se mover no mundo.
3. Shibai karakuri: era usado para divertir o povo, simplesmente exibindo-os ou em teatro de fantoches, como o ningyo jyoruri ou bunraku.
Kokeshi ningyo
As famosas bonecas kokeshi são produzidas com madeira, medem de 5 cm a 15 cm e feitas de forma bem simples. A maioria não tem braços nem pernas, mas uma grande cabeça redonda com feições infantis e um corpo cilíndrico, decorado com pinturas. Madeiras das árvores de corniso e de cerejeira são usadas como matéria prima da kokeshi.
A madeira é colocada dentro de um torno mecânico e talhada enquanto giradas. Depois de completamente moldada, o cabelo, os olhos e o nariz são pintados no rosto e o quimono no corpo, muitas têm estampas florais, bastante coloridas. No entanto, as mais tradicionais, surgidas no Japão antigo (há cerca de meio século), não possui muitos detalhes: são mais cilíndricas, com a cabeça grande e corpo cumprido.
A maioria são fabricadas na região de Tohoku (nordeste do Japão). Cada localidade da região possui seu próprio tipo de kokeshi, mas pode-se encontrar qualquer variedade dessas bonecas em todas as áreas turísticas do Japão.
As variedades de kokeshi são muitas, que vão desde as mais tradicionais até as contemporâneas. A mais famosa, no entanto, é a kokeshi com feições infantis: corpo pequeno, cabeça grande e muito colorida. Essa variedade, que é a preferida dos estrangeiros, ganhou a alcunha internacional de “kokeshi kawaii” (fofa). Por conta da crescente popularidade, as “kokeshi kawaii” são exportadas para praticamente todo o mundo.
Kyo ningyo
Produzida em Kyoto, a boneca Kyo tem aproximadamente 24 centímetros de altura e suas pernas se dobram para permitir que ela se sente em um zabuton (almofada ou travesseiro).
Rosto, pés e mãos parecem de porcelana, mas na verdade são feitos de um plástico branco, incrivelmente macio e suave ao toque. Seu cabelo parece ser feito de seda pura. O quimono é de chirimen (seda sintética). As bonecas Kyo geralmente usam “roupas íntimas”.
Essas bonecas são feitas para serem vestidas e despidas. No Japão, as mães frequentemente fazem um novo quimono para vestir a boneca de suas filhas. Elas são famosas por seus trajes suntuosos.
Saga ningyo
O que marca as bonecas saga é a perfeição com que são confeccionadas e seus surpreendentes trajes, que possuem uma riqueza de detalhes espantosa. Antigamente suas perucas eram feitas com cabelo humano, mas hoje em dia são feitas com seda e cabelo artificial.
Feitas em porcelana, exigem o uso de uma técnica de pintura para colorir seu rosto. Utiliza-se gofun (pasta derivada da concha de ostra triturada, misturada a uma pasta de arroz), junto com outro liquido chamado nikawa (feito de osso e pele de animais). Os pedaços de conchas dão brilho e fortalecem a tez.
As linhas da boca e dos olhos são delineadas com pincéis feitos de pelo de doninha e gato, sendo que o tom dos olhos pode variar dentre mais de 30 cores.
Originárias de Saga, uma pequena cidade, próxima a Kyoto, esta boneca é considerada uma das mais raras e procuradas.
Existem duas teorias sobre os criadores originais das bonecas saga: os escultores de máscaras de teatro Nô, que possuíam habilidades muito familiares ao uso do sabi (gesso), os monges budistas ou artesãos dos templos, que possuíam habilidades e esculpiram as figuras budistas.
Por Maria Rosa (artigo criado originalmente em 2012)
Fontes principais de pesquisa
• Livro: Legends of Japan | Author: F. Hadland Davis
• Livro: Japanese Dolls: The Fascinating World of Ningyo | Autor: Alan Scott Pate
• Fundação Japão em São Paulo
• Aliança Cultural Brasil-Japão
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