Os quatros estilos do teatro tradicional do Japão

Existem quatro tipos de teatro tradicional ainda apresentados no Japão (No, Kyogen, Kabuki e Bunraku), sendo o Kabuki o mais famoso.
Ator Ichikawa Ebizo XI reprentando peca de teatro Kabuki Foto Shinsuke Yasui 900x600 02
Ator Chikawa Ebizo XI – Teatro Kabuki | Foto: Shinsuke Yasui

Segundo a mitologia japonesa, o teatro nasceu quando a Deusa Ame-no-Uzume resolveu dançar em cima de um barril, em frente a caverna onde encontrava-se Amaterasu (A Deusa do Sol), que se escondera da violência e malfeitos do irmão, o Deus Susanoo. A Deusa Uzume dançou na tentativa de atrair Amaterasu para fora da caverna, para que esta iluminasse o mundo novamente, conforme citado no livro Kojiki (Registro das coisas antigas).

Atualmente, existem quatro tipos de teatro tradicional ainda apresentados no Japão: No (Noh), Kyogen, Kabuki e Bunraku.

Teatro Noh

Originado nos ritos xintoístas, o teatro No (Nō, Nou ou Noh) foi primeiro representado por Kan’ami Kiyotasugu (1333-1384), e mais tarde desenvolvido por seu filho, Zeami (1363-1444). Adotado pelos Daimyo (lordes feudais), acabou tornando-se mais ritualista e cerimonial.

Apresentação de peça do teatro Noh | ©Tokyo Weenkender
Apresentação de peça do teatro Noh | ©Tokyo Weenkender

O No combina canto, pantomima, música e poesia, uma das formas mais importantes do drama musical clássico japonês. Esta arte evoluiu de outras formas teatrais, aristocráticas e populares, incluindo o Dengaku, Shirabyoshi e Gagaku. O termo No deriva da palavra japonesa que quer dizer talento ou habilidade. Muitas de seus personagens usam máscaras, os shites (protagonista) e seu acompanhante, embora alguns deles não usem.

O No tradicional é apresentado em um palco vazio com três lados de madeira de cipreste, tendo o telhado como de um santuário e a entrada lateral em rampa. Tradicionalmente, os atores No são todos homens e usam máscaras para interpretar personagens femininos ou demônios, estes aparecem um ou dois a cada vez, sempre com movimentos lentos e coreografados – chamados de kata e também usados em artes marciais – com fundo musical da era feudal.

Para dar imponência aos atores, são usados trajes decorados e pesados que possuem várias camadas. Esta modalidade chegou ao Brasil com os imigrantes japoneses, mas não sobreviveu.

Se uma apresentação de No costumava durar quase um dia inteiro e consistia de cinco peças intercaladas com pequenos textos cômicos de Kyogen, nos dias de hoje consistem de apenas duas peças de No tradicional intercaladas com uma de Kyogen.

Embora seja uma arte tradicional e não de inovação, algumas companhias compõem textos novos ou apresentam peças tradicionais não comuns ao velho repertório. Apresentações que misturam o No com outras tradições teatrais também acontecem, além da inclusão de mulheres. As atuais companhias de No estão localizadas em Tóquio, Osaka e Kyoto (Quioto) – todas tem seus Teatros Nacionais de Noh.

Para facilitar a compreensão de iniciantes e estrangeiros, todas as poltronas do magnífico Teatro Nacional de Noh em Shibuya, distrito de Tóquio, são equipadas com telas de legendas | Foto Distribuição.
Para facilitar a compreensão de iniciantes e estrangeiros, todas as poltronas do magnífico Teatro Nacional de Noh em Shibuya, distrito de Tóquio, são equipadas com telas de legendas | Foto Distribuição

De modo geral, No é a fusão de poesia, teatro, bailado, música vocal, instrumental e máscaras. Os diversos elementos musicais são estreitamente entrelaçados numa simbiose entre o canto e a pantomima. A descrição de cada cena repousa unicamente no texto do canto, nos gestos e nos movimentos do ator. A combinação desses elementos obedece a regras corporais e musicais, a teorias sofisticadas, resultando numa estética extremamente refinada, única e linda.

Teatro Kyogen

O Kyogen originou-se no séc. XIV, evoluindo a partir de interlúdios cômicos, para substituir a natureza exigente do No, ou seja,  é a forma cômica de teatro japonês tradicional.

Teatro Kyogen | Media Commons
Teatro Kyogen | ©Media Commons

Esse tipo de teatro é caracterizado pela simplicidade da estrutura do palco, com interpretações sem coreografia, onde são apresentados temas atuais, como a relação de chefes e subordinados. Com isso, o Kyogen manteve-se no atual formato desde sua origem.

Como um teatro informal, o Kyogen destaca a fragilidade do homem. As máscaras são raras e os trajes simples. Comumente, os atores vestem meias chamadas tabi. Duas escolas constituem o Kyogen, sendo elas Okura e Izumi.

Esta forma de teatro foi difundida durante o período Muromachi, e posteriormente durante o período Edo sob o Shogunato Tokugawa.

Teatro Kabuki

No século XVII, os japoneses sentiram a necessidade de um teatro mais compreensível e divertido, portanto, evoluindo do No, nasce o Kabuki em Quioto (Kyoto), que foi patrocinado pelo Shogunato ou Xogunato. Esse regime era uma espécie de ditadura militar (samurais) feudal, que governou o Japão nos períodos Kamakura (1185-1333), Ashikaga (1336-1573) e, por fim, o período Tokugawa (1603-1868).

Com a ajuda do então governo, o Kabuki foi fundado por Izumo no Okuni. Neste tempo, não era comum mulheres trabalharem como atrizes, mais ainda assim o faziam raramente.

Contudo, a atuação das mulheres no Kabuki foi proibida no período Tokugawa. Depois do veto, os atores masculinos passaram a praticar ainda mais o crossdresser, conhecidos como onnagata (papel de mulher) ou oyama.

No Teatro Kabuki, atrizes não são permitidas, cabendo aos homens fazerem o papel da mulher, como nesta famosa peça intitulada Shunkyo Kagamijishi, que foi apresentada pela primeira vez em 1893. A história narra sobre Yayoi (interpretada pelo ator Ichikawa Ebizo XI), uma dama de companhia escolhida para realizar a dança do leão de Ano Novo para o Shogun | ©Masahito Ono
No Teatro Kabuki, atrizes não são permitidas, cabendo aos homens fazerem o papel da mulher, como nesta famosa peça intitulada Shunkyo Kagamijishi, que foi apresentada pela primeira vez em 1893. A história narra sobre Yayoi (interpretada pelo ator Ichikawa Ebizo XI), uma dama de companhia escolhida para realizar a dança do leão de Ano Novo para o Shogun | ©Masahito Ono

Esta forma de teatro é exuberante, com palco e elenco grandiosos. Máscaras foram substituídas por maquiagens bem elaboradas. As cortinas permitem mudanças no cenário, que utilizam efeitos especiais, tais como alçapões, setores que giram e cabos elevados para os artistas “voarem”.

Músicos e coro sentam atrás de um biombo ou de cada lado do palco. O estilo Aragoto, ou “estilo brusco de atuar”, é usado em peças por personagens masculinos com maquiagem estilizada. Estes se deslocam de maneira exagerada, enquanto as expressões faciais e de olhos são fundamentais para uma boa atuação. Atualmente, um grande nome dessa arte de representar é o jovem ator Chikawa Ebizo XI.

Ator icônico Chikawa Ebizo XI representando famosa peça do Teatro kabuki | ©Shinsuke Yasui
Ator icônico Chikawa Ebizo XI representando famosa peça do Teatro kabuki | ©Shinsuke Yasui

Os atores menos importantes geralmente ficam na direita do palco, enquanto que os mais importantes à esquerda. Nota-se maior status do personagem observando peruca e trajes – quanto mais elaborados e caracterizados, mais indicam a personalidade do mesmo.

Os atores Kabuki foram incansavelmente retratados em xilogravuras no período Edo (1603-1868). Atualmente, o Kabuki é o teatro tradicional japonês mais difundido e apreciado no ocidente.

Ilustração de ator Kabuki. Obra do artista Oyohara Kunichika (1835-1900) | Foto: Domínio Público
Ator Kabuki encenando. Obra do artista Oyohara Kunichika (1835-1900) | Foto: Domínio Público

O Kabuki tem um teatro especialmente criado para representar essa arte, bem como receber o público na forma mais antiga japonesa, u seja, em tatames. Fundado no Período Edo, antiga Tóquio, o Kabuki-za é o teatro mais antigo do Japão a funcionar até os dias atuais.

Teatro Kabuki-za, em Ginza, luxuoso distrito de Tóquio | ©Flickr@mbell1975
Entrada principal do Teatro Kabuki-za, em Ginza, luxuoso distrito de Tóquio | ©Flickr@mbell1975
Palco do Teatro Kabuki-za, em Ginza | Foto Distribuição
Palco do Teatro Kabuki-za, em Ginza | Foto Distribuição
Palco do Teatro Nacional de Kabuki em Kagawa | Foto Distribuição
Palco do Teatro Nacional de Kabuki em Kagawa | Foto Distribuição
Ilustração do palco do Kabuki-za. Obra do artista Masanobu Okumura, datada de 1741 | Domínio Público
Ilustração do palco do Kabuki-za. Obra do artista Masanobu Okumura, datada de 1741 | Foto Domínio Público
Teatro Bunraku

O teatro de fantoches pode ser encontrado em muitas culturas, mas poucos refinaram a arte tão perfeitamente quanto o Bunraku (文楽), que é uma forma clássica de teatro de fantoches japonês com cantos rítmicos e música tradicional.

Omozukai do teatro Bunraku | ©National Theatre Collection
Os omozukai são os marionetista principais. Eles vestem trajes tradicionais japoneses ou roupas relativas ao tema da peça exibida no teatro Bunraku | ©National Theatre Collection

Não e preciso entender o idioma japonês para assistir a maioria das peças Bunraku, uma vez que essa arte teatral depende muito de recursos visuais e sonoros para narrar as histórias, portanto, pode ser apreciado por pessoas de qualquer parte do mundo, embora as apresentações das peças mais tradicionais contam com um narrador.

Bunraku cativou o público japonês durante séculos. Também conhecido como ningyo joruri, que se traduz em algo como drama lírico de marionetes, as peças de bunraku se unem por meio da fusão de imagens e sons.

Os bonecos de madeira elaboradamente construídos, medindo entre 30 centímetros e 1,20 metro de altura, são os elementos visuais marcantes que ancoram a ação de cada performance.

Comumente, a peça é apresentada por dois ou três marionetistas assistentes totalmente vestidos de preto, portanto, embora sejam visíveis para o público (ao contrário do tradicional teatro de marionetes ocidental), o olhar do espectador é atraído para os bonecos realistas que eles controlam. Já o marionetista, que podem ser uma dupla, usa traje formal ou de acordo com o tema da peça, enquanto os bonecos podem representar tanto humanos como animais.

Marionetistas assistentes do Bunraku ficam encapuzados e totalmente vestidos de pretos durante a apresentação | ©National Theatre Collection
Marionetistas assistentes do Bunraku ficam encapuzados e totalmente vestidos de pretos durante a apresentação | ©National Theatre Collection

Exigindo ainda mais a atenção do espectador, cada boneco bunraku é vestido com trajes vibrantes e possui peças móveis complexas, permitindo-lhes transmitir uma ampla gama de emoções.

Os sons apoiam a narrativa no palco. Joruri é uma mistura de canto, que geralmente é feito por um único narrador, e a música do shamisen, um instrumento de cordas japonês semelhante a um alaúde. Essa música se mistura para simular o diálogo e o clima de cada cena.

As apresentações do Bunraku presenteiam o público com histórias de heroísmo, amor trágico e até o sobrenatural. Esses contos normalmente são extraídos da história real e das lendas japonesas. Embora as peças retratem tempos e tradições muito antigas, muitas vezes centram-se em emoções humanas ainda relacionáveis ​​aos dias atuais.

Os três tipos de artistas de bunraku são o ningyotsukai (titereiros), o tayu (cantor) e o tocador de shamisen. Os marionetistas atuam no palco principal (hombutai), enquanto o tayu e o músico sentam-se em uma divisória lateral, chamada de yuka.

Ilustração dos tipos de marionetistas no teatro Bunraku | JNTO
Ilustração dos tipos de marionetistas no teatro Bunraku | JNTO

No lugar de barbantes, hastes se estendem da parte de trás dos bonecos. O marionetista principal é conhecido como omozukai. Ele ou ela traja vestes relacionadas ao tema ou roupas tradicionais japonesas, e usa a mão direita para manipular a mão direita e o rosto do boneco. O marionetista esquerdo, chamado hidarizukai, controla a mão esquerda do boneco com sua mão dominante. Um terceiro marionetista, o ashizukai, opera toda a metade inferior. Os aprendizes começam como ashizukai e literalmente avançam até omozukai. Esse treinamento pode levar até 30 anos.

Bunraku e seus componentes são nomeados Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO e Importante Propriedade Cultural Imaterial do Japão por seu impacto na cultura do país.


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